Igreja: humana como nós

Cheguei a conclusão que gosto de gente, não de multidão. Adoro os encontros. Quanto mais de surpresa, melhor. Sabe aqueles que você não está esperando nada, e de repente acontece? Exatamente. Gosto dessas trocas, dessas pequenas mágicas do dia a dia.

Cheguei ontem de Roma, onde fui esperando participar de um grande encontro com muitas trocas – a canonização dos papas João XXIII e João Paulo II, em plena Praça de São Pedro, berço da Igreja como instituição. Infelizmente esse encontro não aconteceu. Fui obrigada a reconhecer que não gosto de multidões. Elas não me emocionam. Não me encantam. Domingo, último dia 27, foi um caos uma vez que chegamos perto da praça. Fomos, minha mãe e eu, espremidas entre as milhares de pessoas – estimado em mais de 1 milhão de pessoas, e fomos sendo levadas a cotoveladas e empurrões. A multidão não tem dó. A multidão tem um ritmo próprio e não gosta de ser contrariada. Ela não troca. Impõe. Mas como de todo mal sai um bem, passei mal – minha pressão que normalmente é baixa, subiu, e fomos resgatadas para a tenda de pronto-socorro. Depois do atendimento atencioso e preciso, conseguimos um lugar espaçoso em frente ao telão da onde assistimos a cerimônia. Dois grandes papas se juntaram ao grupo de santos. Duas personalidades distintas, mas ambas encantadoras – o que eu não daria para um breve encontro com cada um deles!

Tenho que confessar que não me emocionei na cerimônia. Talvez em decorrência do sufoco que passamos antes ou talvez … não sei… As pessoas, me emocionaram. A fé e o desprendimento. Sim, desprendimento porque muitas acamparam na noite anterior para garantir o seu lugar nesse momento histórico. A fé era uma sensação física, podia quase ser tocada.

Em compensação me emocionei em várias igrejas e basílicas, como a de São Paulo Extramuros. Um mundo de silêncio, beleza e grandiosidade. Uma brecha na confusão do mundo lá fora para experimentar uma conexão com o divino. Não por acaso o lugar escolhido por João XXIII para lançar o Concílio do Vaticano II, grande reforma da Igreja Católica que aproximou os dois mundos – terreno e divino. Devolveu à Igreja a simplicidade de Jesus. Aproximou os fiéis da Igreja. Incluiu Deus no nosso dia-a-dia, sem formalidades desnecessárias, mas cheio de amor, compreensão e misericórdia. São essas as premissas que inspiram Papa Francisco quando diz que padres e toda a Igreja deve ir ao encontro das pessoas. Quando ele pede que olhemos o outro nos olhos. Que vejamos o outro.

Me emocionei quando o Papa Francisco fez a catequese na quarta-feira seguinte, falando sobre o dom do entendimento do Espírito Santo. “Assim o dom do entendimento está intimamente ligado com a fé.” Praça repleta, não tanto quanto na canonização, mas cheia, e silêncio para ouví-lo. A fé sem razão não leva muito a diante, assim como a razão sem fé também não. É de João Paulo II a encíclica Fides et Ratio (Fé e Razão) na qual ele insiste nesse tema. Precisamos usar nosso intelecto para chegarmos a Deus.

A Igreja pode enfrentar muitos problemas e falhas que muitas vezes nos envergonham como cristãos, mas é indiscutível que temos grandes Papas. Coloco nesse hall Bento XVI. Quanto entendimento e discernimento, dons do Espírito Santo, ele não precisou para tomar a iniciativa de abdicar e abrir caminho para Francisco – Papa do povo.

Em Roma, local da perseguição aos cristãos e nascimento da Igreja, não tem como não divagar sobre a história da Igreja, seus acertos e erros. Ao longo dos últimos dois mil anos, acho que os acertos foram mais numerosos e importantes que o erros. A cultura ocidental muitas vezes bate na Igreja, mas sempre bebeu da sua fonte. A base do direito ocidental vem dos 10 Mandamentos; as primeiras universidades foram organizadas pelos mosteiros e mantidas pela Igreja. Foi com o trabalho dos monges copistas que grande parte da Literatura do mundo Antigo chegou a nós. Ok, alguns livros e, pessoas, foram queimados ao longo do processo, mas muitos mosteiros guardaram cópias dos livros censurados, preservados até hoje. A Igreja foi a grande mecenas das artes brindando-nos com Michelangelo, Rafael, Leonardo da Vinci, Bernini e muitos outros. O que seria de suas obras sem um mecenas que os permitissem trabalhar e pagar por suas artes? As Catedrais, obras de anos e anos, guardam em si iniciativas e novas descobertas na construção civil. Por incrível que pareça foi na Igreja, através das freiras, que as mulheres puderam pela primeira vez ter acesso ao conhecimento científico com o trabalho de enfermagem. Temos a tendência de pensar na Idade Média como Idade das Trevas e Inquisição, mas as luzes estavam presente em todo o período. As grandes conquistas posteriores do homem tem suas raízes nesse período. Me questiono se o período das Luzes em que o homem é colocado no centro do mundo realmente é de Luzes… o resultado está sendo um grande vazio, muitas ansiedades e depressões… Não tem como não pensar em todas essas contribuições quando estamos na grandes Catedrais, cercados por uma arquitetura que levou anos de investimentos e rodeados pela beleza da arte sacra dos grandes Mestres.

A Igreja, assim como os homens e até mesmos os santos, é imperfeita. A sua imperfeição a torna real, concreta. Falha como nós. Humana como nós. Com anseios e vontades em busca da perfeição. Deus não a abandona, assim como não nos abandona. A cada queda, lá está Ele para esticar a mão e nos ajudar a levantar. Fomos feitos à imagem e semelhança de Deus. Não somos deuses. E somos nós que formamos a Igreja. Todos os dias. Com ações concretas. Simples. Alegres. Diretas. Vamos errar muitas vezes no caminho, com certeza. Mas também com certeza Deus nos levantará e nos ajudará a seguir a diante. Papa Francisco está seguindo adiante. João XXXI e João Paulo II estarão intercedendo por nós mais do que nunca.

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