Educação é um direito de todos. Mas, qual educação queremos dar aos nossos filhos? Temos o direito de pedir educação para todos, mas garantir que nossos filhos tenham uma educação melhor e mais diversificada – uma educação que combine com os nossos valores nas várias opções da inciativa privada, enquanto a maior parte dos pais brasileiros são obrigados a aceitar a massificação e qualidade inferior da educação pública?
O modelo escolar atual não responde mais as demandas da sociedade pós-moderna.
A maioria das escolas – privadas e públicas – ainda vive no século XIX, educando para preencher os chãos das fábricas da Revolução Industrial. Com raras exceções, escolas estão tentando se ajustar aos novos tempos.
Tempos esses em que o professor perdeu o papel de dono do conhecimento. A tecnologia está invadindo os espaços e derrubando barreiras, e os jovens já não querem mais construir uma vida toda planejada e segura se isso implicar abrir mão de seus sonhos.
Segundo o sociólogo Zygmunt Bauman, deixamos para trás as certezas sólidas na Modernidade para vivermos as incertezas da vida líquida do Pós-Modernismo. Nesse mundo líquido, tudo é passageiro e é preciso deixar as portas das oportunidades sempre abertas. O conhecimento é a grande moeda de troca. Flexibilidade e adaptabilidade são as palavras de ordem do dia.
Tanto na vida profissional quanto na pessoal. Hoje você pode estar nesse trabalho, amanhã já estará em outra empresa fazendo outra coisa.
Ao longo de uma vida de sucesso o profissional terá um currículo extenso, com passagens por várias empresas e um amplo leque de expertise. Idem para as relações pessoais.
Casamento para uma vida inteira, com altos e baixos, não está nos planos das gerações que estão chegando a vida adulta. Assim como o sonho da casa própria e do carro na garagem. Profissões antes tradicionais já não existem mais; em compensação, uma série nova de carreiras inimagináveis são hoje as queridinhas.
Como preparar nossas crianças e jovens para esse novo mundo que já está aí? A escola atual não está fazendo o seu dever de casa.
Ela ainda está presa nas mesmas crenças com medo de abraçar o desconhecido. Sua resposta tem sido mudar um pouco aqui e ali, para continuar a mesma. Incluem nos currículos o uso de tecnologias como o smartboard e aulas de robótica, mas não abraçam a verdadeira mudança – repensar, colaborativamente, os desafios do dia a dia.
Adotam o protagonismo do aluno de Paulo Freire, desde que esse protagonismo esteja previsto dentro da grade curricular do ENEM.
A escola atual está sofrendo o choque das gerações sólida e líquida, ainda segundo Bauman. De um lado, os professores e diretores com suas crenças modernistas de progresso, sindicatos, hierarquia, aulas expositivas e um entendimento do mundo puramente racional. De outro, os alunos que já nasceram em uma sociedade touch screen, colaboradora e sensorial, com um entendimento do mundo em que as relações são mais importantes que a posse. O ser supera o ter.
Para esses alunos, o futuro é construído de pequenos “agoras”. Por enquanto, os alunos estão pagando o alto preço da inadaptabilidade da escola. Eles estão se formando no Ensino Médio sem o mínimo para enfrentarem o mundo lá fora. Podem até passar no ENEM e entrar para uma faculdade, mas carecem de conhecimentos relevantes para viverem uma vida plena – tanto profissional quanto emocional. Cada vez mais escolas – em geral as privadas – estão buscando diminuir esse “gap” com projetos que trabalhem as habilidades sócio-emocionais de seus alunos.
Mas esses projetos ainda são isolados, não conversando com a estrutura da escola.
Michel Maffesoli, professor da Universidade de Paris, acredita que estamos retornando ao período tribal, em que as sociedades eram organizadas por um sentimento de solidariedade, misticismo, permitiam diversas camadas de identidade. Vemos renascer hoje o homem plural. Esse homem não cabe mais em uma caixa única e bidimensional. Ele é plural nos seus interesses e áreas de atuação.
Ele é uma obra em construção.
Enquanto perde-se tempo discutindo a alteração curricular do Ensino Médio e o currículo padrão para todas as escolas (não que não seja importante frear o cancelamento de disciplinas como filosofia e sociologia – as que mais falam para essa nova sociedade, e principalmente que tipo de história estamos repassando para as futuras gerações), perdemos de vista as grandes questões da Escola – qual mundo esse aluno vai viver? Que tipos de conhecimentos e habilidades ele precisa ter para dialogar com essa sociedade? Não a sociedade de hoje, mas a sociedade daqui a dez, vinte anos?
Para responder a essas questões precisamos urgentemente abandonar velhas crenças, enxergar o ambiente escolar com novos olhos – desde a decoração das salas de aulas com suas fileiras de carteiras individuais, a que tipo de conteúdo estamos priorizando e como ele está sendo construído em conjunto com os alunos. Olhar para trás e aprender com os gregos como eram as
Academias e como formar seres humanos completos, acima de tudo, pensantes – e não mão-de-obra. A tecnologia hoje nos proporciona uma oportunidade única de sairmos da prisão da sala de aula para conquistar os espaços públicos para, de fato, trazermos a cidade para dentro da escola e levarmos escola para a cidade – juntas e misturadas.
Precisamos, de uma vez por todas, abandonar a ideia de que educação para todos pressupõe
educação pública. Não. Existe um espaço gigantesco para ser ocupado por instituições menores, sem fins lucrativos, personalizadas com modelos e valores que falem a um pequeno grupo de pais. Sim. Não é por uma família não ter condições financeiras que é impedida da liberdade de escolha sobre que tipo de educação quer para seu filho. O Terceiro Setor é a personalização dos valores da sociedade tribal que Mafessoli nos fala – construção de uma rede solidária em torno de interesses em comum e liberdade de movimento e mudanças.
Em resumo, uma alta conectividade com as duas pontas interessadas: o público beneficiado e o público que financia a instituição. Claro que aqui não estou falando de ONGs que vivem de doações do governo, mas sim daquelas que estão no mercado, atendendo uma demanda e buscando recursos na iniciativa privada, a qual prestam contas do resultado e por ele são avaliadas e cobradas.
O brasileiro precisa perder o medo da iniciativa privada, deixar para trás a dependência de um estado inchado e, principalmente, abraçar a participação da sociedade civil nas questões mais sensíveis como educação e saúde. A reforma da escola só será verdadeira quando tirarmos as vendas dos olhos e começarmos a discutir o papel da escola para a sociedade que ela está inserida, sem medo de ferir sensibilidades pessoais e sindicatos.
Quando a sociedade, como um todo, entender que educação é um problema de todos e não apenas do governo, quando pais assumirem a co-responsabilidade nas escolas que seus filhos estudam, sejam elas públicas ou privadas, aí sim, vamos ter uma discussão relevante sobre educação no Brasil.