Marta e Maria – Lectio Divina

Em nosso Grupo de Oração das terças-feiras, recebemos a visita do Padre Paulo, de Niteroi, que nos brindou com uma interpretação inusitada sobre um trecho da Bíblia pouco explorada, ou por outra, limitadamente explorada. Trata-se da visita de Jesus a casa de Lázaro e suas irmãs, Marta e Maria. Digo interpretação inusitada por que, em geral, os comentaristas desse trecho bíblico enfatizam a diferença de comportamento das duas irmãs. Uma dedicada a FAZER, outra a MEDITAR.
Padre Paulo nos mostra uma outra interpretação mais rica de detalhes e mais elucidadora das palavras de Deus.
LECTIO DIVINA LUCAS 10,38-42

Pela descrição de Lucas, a casa da família de Lázaro era conhecida por Jesus, Ele já devia ter feito outras paradas nessa casa para descansar. Parece ainda, que a família tinha posses, pois ofereceu estadia e comida a Jesus e a seus seguidores, pois Jesus não andava sozinho.

Ao nos determos na leitura dessa passagem chama a atenção o comportamento diferenciado da duas irmãs, Marta e Maria.

Enquanto Marta coordenava os trabalhos de preparação da refeição que seria servida, dos alojamentos e outras providências necessárias para abrigar o grupo de Jesus, “Maria ficou sentada aos pés do Senhor, escutando-lhe a palavra”.

É natural que Marta tenha se ressentido pela falta de ajuda de Maria e tenha reclamado com Jesus: “Senhor, a ti não importa que minha irmã me deixe assim sozinha a fazer o serviçø? Dize-lhe, pois, que me ajude.”

Com certeza Marta esperava que Jesus aceitasse sua reclamação e mandasse Maria levantar-se para ajudar a irmã. Mas Deus é sempre surpreendente. Ao invés de concordar com Marta Jesus lhe retruca: “Marta, Marta, tu te inquietas e te agitas por muitas coisas, no entanto, pouca coisa é necessário, até mesmo uma só. Maria, com efeito, escolheu a melhor parte, que não lhe será tirada.”

Em geral, os comentaristas bíblicos enfatizam o agir e o orar dessa passagem, contrastando o comportamento das duas irmãs. Mas é interessante notar que somente o evangelista Lucas relata esse fato. O episódio de Marta e Maria não aparece em nenhum dos evangelhos sinóticos. Entretanto, Marta e Maria surgem outra vez no evangelho de João, quando relata a ressurreição de Lázaro (Jo 11,1-44). Ao examinarmos essa passagem devemos ressaltar os seguintes pontos: Lázaro estava doente; as irmãs mandaram mensageiros em busca de Jesus que distava dois dias de viagem de Betânia onde moravam. Pediam para avisar a Jesus da doença “daquele que amas”.

Mais uma vez nota-se a surpreendente resposta de Jesus, amigo daquela família, com poder curador já demonstrado em várias ocasiões que diz: “Essa doença não é mortal, mas para a glória de Deus, para que, por ela, seja glorificado o Filho de Deus.”

A resposta é enigmática, pois não atende ao apelo das irmãs para se dirigir a Betânia, nem envia uma ordem para que o amigo amado se restabeleça. Lembremo-nos que Jesus era capaz de curar alguém à distância, como ocorreu com o centurião em Luc 7, 1-10. Não importava a Jesus o autor da demanda, sua condição de senhor ou escravo, crente ou pagão, judeu ou romano. O centurião representava a força de ocupação romana, tinha todos os motivos para ser detestado pelos judeus, mas demonstrou uma fé tão forte que Jesus chegou a elogiá-lo dizendo: “Eu vos digo que nem mesmo em Israel encontrei tamanha fé” e “ao voltarem para casa, os enviados encontraram o servo em perfeita saúde”. Note-se, ainda, que o centurião não estava pedindo para Jesus curar alguém de sua família, mas a um servo, motivo maior para Jesus tê-lo atendido.

Sobre a questão da fé, particularmente em pessoas que normalmente não seriam objeto de atenção dos judeus, do povo escolhido, convém lembrar a mulher cananéia, que implorou para que Jesus libertasse sua filha endemoninhada. As respostas de Jesus, no início do diálogo, são surpreendentes, pois por duas vezes responde de forma áspera à demanda da cananéia, como se procurasse afasta-la.. Os comentaristas mostram os motivos pelos quais Jesus agiu dessa forma, sugerindo o fato da mulher ser de origem sirio-fenícia, povo pagão, adorador de cães, motivo pelo qual eram considerados impuros pelos judeus, que os denominavam “cães”. Daí a explicação da segunda resposta de Jesus àquela mulher: “Não fica bem tirar o pão dos filhos e atirá-los aos cachorrinhos”. Mas a mulher, humildemente, responde: “…mas também os cachorrinhos comem as migalhas que caem da mesa dos seus donos!”

Normalmente, qualquer outra pessoa ficaria irritada com as duas respostas duras que recebeu e abandonaria o pleito, mas não foi isso que a cananéia fez, mesmo por que estava lutando para libertar uma filha. Por isso Jesus respondeu:“…grande é a tua fé! Seja feito como queres!”

Deus, mais uma vez, nos mostra que não importa quem está pedindo, desde que peça com fé. O que importa é a demonstração real do que se deseja, como fez a cananéia, sem se importar com as tentativas de Jesus em afastá-la. Mas Deus já sabia de antemão o comprometimento daquela mulher, disposta a tudo para libertar a filha, e suas respostas duras tinham o objetivo de fazer com que a mulher demonstrasse sua fé.

Uma outra passagem, demonstrando esse tipo de comportamento de Jesus em relação a pessoas indesejáveis pelos judeus, ocorre com a Samaritana, no poço de Jacó, citada em João 4.

Nessa passagem a mulher que encontra Jesus era desprezada pelas demais mulheres da região de Samaria, motivo pelo qual foi ao poço ao meio dia “era por volta da hora sexta” que significa meio dia.

Os habitantes de Samaria eram descendentes de judeus que se tornaram pagãos, por isso rejeitados pelos judeus crentes. Mas é justamente com essa mulher que Jesus dialoga, rompendo com mais um preconceito, do um homem não se dirigir a uma mulher desconhecida em público, ainda mais se esse homem é um judeu e a desconhecida uma samaritana.

Mesmo assim, depois de convencê-la de quem Ele era, a samaritana tornou-se a primeira missionária da Boa-Nova, largando o jarro no poço e correndo a transmitir a notícia de que tinha encontrado o Messias, ou seja, anunciando a Boa-Nova.

Deus quer nos atender, mas precisamos demonstrar paciência e . Sem nossa participação as curas e libertações não são realizadas. Devemos nos mostrar humildes em nossa demanda, pois estamos diante de nosso Criador.

Na oração que Jesus nos ensinou, o Pai Nosso, o verbo referente a Deus está todo na voz passiva, pois rogamos a Ele para que seja feita a Vontade Dele aqui na terra, não a nossa.

Voltando a passagem de João, já podemos entender melhor o que o evangelista desejava nos revelar ao não responder como as irmãs desejavam, curando Låzaro, conforme descreve Lucas. Na realidade, chega-se a conclusão que Jesus desejava que Lázaro morresse, pois só assim poderia fazer um ato que seria ..”para a glória de Deus, para que, por ela, seja glorificado o Filho de Deus.”

Essa interpretação se fortalece ao lermos que “Quando soube que Lázaro estava doente, permaneceu ainda dois dias no lugar em que e encontrava, só depois disse aos discípulos: “Vamos outra vez até a Judéia!”

Nesse momento os disípulos se mostravam inseguros, temerosos em voltar a Judéia de onde tinham saído há pouco sob ameaça de apedrejamento, mas Jesus replicou:

“Não são doze as horas do dia? Se alguém caminha durante o dia, não tropeça, porque vê a luz deste mundo, mas se alguém caminha à noite, tropeça, porque a luz não está nele.”

O que significa isso?

Jesus está afirmando que Ele é a luz do mundo e a vida. Ao caminhar com Ele não seriam detidos, não tropeçariam como aqueles que andam na escuridão por não conhece-lo.

Em seguida, ao dizer: “Nosso amigo Lázaro dorme, mas vou despertá-lo”, mais uma vez demonstra que sabia de antemão que o amigo seria ressuscitado. Enfatiza melhor esse entendimento ao esclarecer a dúvida dos discípulos sobre a possibilidade de cura de Lázaro se processar mais rápido, uma vez que estava apenas dormindo, como Ele havia dito, dizendo claramente: “Lázaro morreu. Por vossa causa, alegro-me de não ter estado lá, para que creiais.” Note-se ainda uma vez que Jesus alegra-se por não ter estado na casa de Lázaro, pois nesse caso teria obrigação, como amigo da família, de recupera-lo da doença, ou seja, o milagre maior, o da ressurreição do amigo não ocorreria.

Fica claro agora o desejo de Jesus pela morte de Lázaro, entendimento fortalecido pela leitura dessa passagem em conjunto a de João 11,1-44, que narra a ressurreição de Lázaro. Na verdade, esse têrmo – ressurreição – não se aplica perfeitamente ao caso, pois Lázaro morreu algum tempo depois, não foi portanto uma ressurreição “strictu sensu”, como a de Jesus que permanece entre nós.

Ao ler a descrição feita por João nessa passagem, revela-se mais uma vez a diferença de comportamento entre Marta e Maria.
“Quando Marta soube que Jesus chegara, saiu a seu encontro; MARIA PORÉM , CONTINUAVA SENTADA, EM CASA.

Ou seja, Marta, apressada, corre para demostrar sua frustração por Jesus não ter atendido ao apelo das irmãs e ter curado Lázaro, pois o aviso foi enviado a tempo, por isso disse, zangada: “Senhor, se estivesses aqui, meu irmão não teria morrido. Mas ainda agora sei que tudo o que pedires a Deus, ele te concederá”.

Na escrita é difícil notar a entonação da frase, mas subtende-se que Marta está zangada com Jesus e deixa bem claro essa insatisfação, embora se apressase a declarar que sabe do poder curador de Jesus, sabe que Ele pode pedir ao Pai qualquer coisa que será atendido, está claramente pedindo para que Jesus faça alguma coisa.

Diante da resposta de Jesus: “Teu irmão ressuscitará.” Marta continua como dona da verdade e retruca: “Sei que ele ressuscitará na ressurreição, no último dia”.

Ela tem resposta pra tudo, sabe tudo, é lógica, mas espanta-se com a resposta de Jesus que já demonstrava um pouco de irritação com essa cobrança, bem como sobre o quê deveria fazer para recompor a amizade com a família enlutada. Por isso, responde, já enfastiado: “Eu sou a ressurreição. Quem crê em mim, ainda que morra, viverá. E quem vive e crê em mim, jamais morrerá. Crês nisso?”

É claro que depois disso não cabia outra resposta de Marta a não ser concordar.

Percebendo não agradar, afastou-se e chamou sua irmã dizendo baixinho;” O Senhor está aqui e te chama!”Maria por sua vez, que tinha continuado sentada aguardando a vinda do Senhor “Ouvindo isso, ergueu-se logo e foi ao seu encontro.”

Maria não correu logo ao encontro de Jesus quando Ele ainda estava afastado, como fez Marta, mas esperou ser chamada para dirigir-se ao Senhor, demonstrando humildade diante do seu Criador, humildade que ficou mais clara quando “vendo-o, prostou-se a seus pés e lhe disse: “Senhor, se estivesses aqui, meu irmão não teria morrido” e chorou. Embora João tenha utilizado as mesmas palavras de Marta, desta vez a entonação que se percebe era outra, não era de irritação, mas de
pesar, dor, o que lhe causa choro que contagia Jesus, algo bem diferente do ocorrido com sua irmã.

Apesar das indiretas de Jesus, Marta não se emendou, pois ao ouvir Jesus pedir para retirarem a pedra que fechava a gruta onde se encontrava o corpo de Låzaro, exclamou: “Senhor, já cheira mal, é o quarto dia!” Como se Jesus não soubesse, motivo pelo qual Ele retrucou: “Não te disse que, se creres, verás a glória de Deus?”

Em seguida dirigiu-se ao Pai: “Pai, dou-te graças porque me ouviste. Eu sabia que sempre me ouves, mas digo isso por causa da multidão que me rodeia, para que creiam que me enviaste.”

Jesus é Deus encarnado, é a PALAVRA DE DEUS FEITO CARNE, tinha o poder de ressuscitar Lázaro sem pedir ao Pai, mas queria que a multidão assistisse seu apelo para que soubessem que Ele era o enviado de Deus.

Temos todos um pouco de Marta e de Maria. Como Marta, somos apressados, achamos que sabemos de tudo, temos respostas prontas para tudo, não esperamos pelo desenrolar dos acontecimentos.

Como Maria, nos humilhamos diante do poder de nosso Criador, recolhemos o que Ele nos diz e PRATICAMOS, não ficamos entesourando as PALAVRAS DE SALVAÇÃO E LIBERTAÇÃO.

Pratiquemos a paciência e reservemos um momento diariamente para dialogarmos com Deus, sem cobranças, mas pedindo humildemente que nos transforme segundo a SUA vontade.

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